A Alma do Índio, escrito por Charles Eastman (Ohiyesa), é uma das primeiras e mais completas exposições sobre a visão religiosa de mundo dos índios das pradarias norte-americanas. 

   O autor nasceu num tipi de couro de búfalo durante o inverno de 1858. Ele cresceu e foi educado no modo de vida tradicional e nomádico de seu povo, os Sioux Santee, e na juventude recebeu o nome de Ohyesa (“O Vencedor”). Quando tinha quinze anos, seu pai, que ele acreditara morto pelos brancos, subitamente reapareceu, e o jovem foi lançado no seio da civilização branca dominante. Passando então a se chamar Charles Eastman, ele frequentou a escola preparatória dos brancos, como também fez estudos superiores, obtendo um diploma de médico. Retornou então à reserva Sioux de Pine Ridge, em Dakota do Sul, onde trabalhou como médico governamental (inclusive cuidando dos feridos depois do famigerado massacre de Wounded Knee). Posteriormente, morou e atuou por dois anos em Washington D.C. como representante legal e defensor da tribo Sioux, e trabalhou durante seis anos no Departamento de Assuntos Índios. Nesta função, durante o processo de criar sobrenomes ingleses para os índios, Eastman encontrou e entrevistou quase todos os membros então vivos da tribo Sioux. Ele conheceu pessoalmente grandes nomes como Nuvem Vermelha e Touro Sentado.

    Eastman publicou seu primeiro livro em 1902. Tendo publicado outros dez livros depois desse, ele foi o primeiro grande autor índio norte-americano. Para entender a importância de sua obra, é preciso ter em mente que os índios não tinham uma escrita para sua língua nativa, e que, nos começo do século XX, nossa compreensão da religião deles era fragmentária e quase que exclusivamente limitada àquilo que fora preservado por brancos de algumas histórias de uns poucos índios. Além disso, como Eastman ressalta, muitas dessas transmissões orais registradas eram de valor questionável, ou porque a fonte índia não era fidedigna, ou então porque o branco que fizera a transcrição tinha preconceitos ou por alguma outra razão não estava à altura da tarefa. Dado tudo isso, Eastman tinha por objetivo apresentar os ideais espirituais autênticos de seu povo. “Tentei”, diz ele, “retratar a vida religiosa do índio americano típico como ela era antes de ele conhecer o homem branco. Há muito que desejo fazer isso, pois a meu ver não foi feito de forma séria, adequada e sincera.”

    Como muitos índios da América do Norte, Eastman abraçou o Cristianismo, mas sem com isso abandonar os princípios espirituais de seus ancestrais. Ele acreditava que os ensinamentos da religião que adotou e os ensinamentos da religião de seu povo estão profundamente ligados, e que ambas as religiões são opostas ao mundo moderno dito “civilizado”. “É minha convicção pessoal, após trinta e cinco anos de experiência, que não existe uma ‘civilização cristã’. Acredito que o Cristianismo e a civilização moderna são opostos e irreconciliáveis entre si, e que o espírito do Cristianismo e de nossa religião antiga é essencialmente o mesmo.”

    Eastman viveu em dois mundos — seu mundo ancestral e o mundo moderno — e por meio de seus escritos ele pôde comunicar algo do primeiro ao segundo. Para nós, que vivemos no mundo moderno, ele conseguiu descrever a alma do índio.

Joseph Fitzgerald
World Wisdom Books/EUA