Publicamos recentemente o livro Raízes da Condição Humana, de Frithjof Schuon. Trata-se de uma das últimas obras do autor, que veio à luz em 1990. Como indica o título, são abordados aqui princípios fundamentais da metafísica universal e perene e sua aplicação na vida espiritual e moral. O livro está dividido em três partes: a primeira trata de metafísica e epistemologia, a segunda trata de esoterismo e sua interpretação das religiões, e a terceira põe a ênfase na vida espiritual e moral.

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Tudo começa com a inteligência como princípio de discernimento. Schuon a define à luz da sabedoria tradicional, como uma intuição da Realidade ou como um discernimento entre o Real e o ilusório que deve se manifestar em todos os níveis do ser. Seu órgão principal não é a mente, que é a sede da razão discursiva, mas o Coração, que não é senão o centro intuitivo e existencial do homem. A razão deixada a si mesma é incapaz de erguer o “véu de Ísis” ou o Mistério da Realidade, porque ela é sempre exterior a seu objeto. Neste sentido, Schuon consagra um capítulo importante às limitações da ciência moderna. Esta está condenada ao fracasso, porque procede por meio de uma exploração indefinida dos fenômenos ao mesmo tempo em que permanece inconsciente da Identidade Suprema entre o Objeto e o Sujeito na Unidade divina. Dado seu a priori epistemológico, a ciência moderna não tem como não ser cega para as “provas” subjetivas e objetivas de Deus. As provas objetivas incluem a existência pura, a extensão indefinida do espaço e do tempo e as qualidades existenciais, que dão testemunho, respectivamente, da Realidade Absoluta, Infinita e Perfeita do Um. Do lado das provas subjetivas, o paradoxo da pluralidade dos “eus” tende no final das contas para a realidade única e ímpar do Si divino.

A imanência do Si divino está também no centro da dimensão salvadora do Divino, que é examinada em dois capítulos essenciais, consagrados à Shakti divina – a energia celeste e cósmica que nos atrai para o interior – e à complementaridade entre o karma e a graça – o primeiro exprimindo a necessidade do Absoluto e a segunda, a liberdade do Infinito.

A abordagem esotérica permite a Schuon fornecer ao leitor uma fenomenologia magistral e luminosa das religiões, a qual nos conduz ao coração metafísico e sapiencial das diversas crenças religiosas. Dois capítulos surpreendentemente sintéticos são consagrados ao Cristianismo e ao Islã, desvelando a dimensão interior e a especificidade de cada uma dessas religiões. Schuon propõe definir o Cristianismo parafraseando a fórmula patrística “Deus se fez homem para que o homem se faça Deus”. A primeira parte dessa fórmula é a chave para uma compreensão mais profunda da Eucaristia, do Ícone e do Nome divino como veículos da Prença divina. Quanto ao Islã, Schuon o considera como a forma religiosa que manifesta a substância de todas as religiões por sua simplicidade, sua primordialidade e seu caráter final. O Islã de Schuon é essencial e universal, como o prova a maneira com a qual ele remete os cinco pilares dessa religião à sua significação espiritual interior.

Como em outras obras de Schuon, a metafísica e a religião comparada encontram seu necessário complemento espiritual e moral na ciência profunda das virtudes. Para Schuon, a quintessência das virtudes são a veracidade e a sinceridade, ou a conformidade à Verdade e às consequências que ela implica. Um último capítulo consagrado à significação espiritual do amor mostra como os amores terrestres são fundamentalmente portas abertas para o amor a Deus, que é sua essência. Num mundo cada vez mais preocupado com a periferia fenomênica das coisas, este livro traz uma mensagem, muito necessária, de retorno às raízes da nosso ser, retorno sem o qual nossa vida não é mais que um agitação fútil e uma atividade insignificante de formigas humanas.


Capítulos de Raízes da Condição Humana

Prefácio

I. Princípios e Raízes

  • Da Inteligência
  • O Véu de Ísis
  • Problemas do Espaço-tempo
  • Mahâshakti
  • O Enigma da Subjetividade Diversificada
  • Sinais do Ser, Provas de Deus
  • Dimensões Salvadoras

II. Perspectivas Fundamentais

  • O Homem em Face do Sumo Bem
  • Esquema da Mensagem Crística
  • Esquema da Mensagem Islâmica
  • Pilares da Sabedoria
  • O Duplo Discernimento

III. Dimensões Morais e Espirituais

  • Sombras Cósmicas e Serenidade
  • Virtude e Via
  • Do Amor

Lista dos principais temas abordados em cada capítulo

Prefácio

  • Não há empirismo em metafísica
  • Racinalismo, negação da anamnese platônica
  • A natureza do homem

Da Inteligência

  • Definição geral da inteligência como percepção de uma realidade
  • Distinção entre funções e aptidões
  • Limitação do esforço mental
  • O fenômeno ambíguo da ingenuidade
  • A inteligência prometéica
  • A inteligência e o sentimento de superioridade
  • Ter inteligência ou um bom caráter?
  • Aristóteles, o pai da inteligência madura e eficaz?
  • Algumas palavras sobre a gnose (não sobre o gnosticismo)
  • Satanismo gnóstico e satanismo antignóstico
  • Três forças adversas contra o esoterismo
  • Abuso de inteligência não é inteligência
  • O gênero humano é efetivamente inteligente?

O Véu de Ísis

  • O aspecto pernicioso da ciência moderna
  • Conhecimento sensível, conhecimento intelectivo
  • “Ninguém jamais ergueu seu véu”, mas a Deusa consente em erguê-lo
  • A criação do homem à imagem de Deus
  • O mundo dos átomos e das galáxias
  • Aparência e mecanismo nas coisas criadas
  • Determinismo ou caráter arbitrário do mecanismo do mundo?
  • A causa de um fenômeno não está sempre no mesmo plano em que ele se produz
  • Causas físicas e causas metafísicas
  • Desaparecimento total do “véu”
  • As noções de objetividade e de subjetividade

Problemas do Espaço-tempo

  • A física integral não poder prescindir da metafísica
  • Princípio de relatividade e princípio de absolutez
  • Uma aplicação do relativamente absoluto
  • Enigmas do espaço e enigmas do tempo
  • A origem do universo
  • Tempo e espaço

Mahâshakti

  • Definição do termo shakti
  • Energia eficiente do Princípio, energia celeste, aspecto de infinitude
  • Os dois polos da energia: a explosividade e a atratividade
  • Os dois enigmas do movimento dos corpos celestes
  • A Shakti terrível
  • Alcance universal do shaktismo
  • “Shakti” e tantrismo
  • O amoralismo tântrico ou sháktico
  • Valor do método ascético
  • Poder do “mantra”
  • Kwan-Yin e Tara no Budismo do Norte
  • Maria e Fátima no Islã
  • Rahmân e Rahîm
  • Sakînah e Barakah
  • Hiya e Hua
  • O amor do homem pela mulher
  • A “Mulher-Bisão-Branco”
  • O rito do Cachimbo Sagrado
  • O simbolismo da fumaça
  • Deva e Shakti no Hinduísmo

O Enigma da Subjetividade Diversificada

  • Contradição de falar de uma subjetividade múltipla
  • Um Sujeito Absoluto
  • Imperfeição da contingência na tradição islâmica
  • Subjetividade terrestre e subjetividade celeste
  • No mundo, tudo é relativo?
  • Então qual seria o significado de nossa vida exterior?
  • “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”
  • Aspecto positivo da multiplicidade de sujeitos
  • Parêntese sobre o platonismo e o aristotelismo

Sinais do Ser, provas de Deus

  • Tirar conclusões (teologia) ou perceber o Real (metafísica)
  • Como é que os fenômenos “provam” a Realidade divina?
  • A subjetividade que percebe é também uma “prova de Deus”
  • A grande contradição do materialismo
  • A ilimitação cósmica, sinal de Deus
  • O mundo como um tecido de teofanias
  • Essencialização e interiorização
  • Senso das formas e das propriedades na contemplatividade
  • O mundo, manifestação do Princípio e Princípio manifestado

Dimensões Salvadoras

  • Determinismo e Graça
  • Predestinação e liberdade, bom e mau karma
  • Gnose discriminativa e unitiva
  • Os partidários da ação meritória
  • Justiça e Misericórdia

O Homem em Face do Sumo Bem

  • Definição do homem em relação ao animal
  • Os três aspectos sob os quais o homem pode abordar Deus
  • Transcendência e Imanência
  • Judaísmo, Islã e Cristianismo
  • O espaço ilimitado, o sol, o reflexo
  • Sobre-Ser, Ser, Existência

Esquema da Mensagem Crística

  • “Deus tornou-se homem para que o homem se torne Deus”
  • Oposição entre a carne e o espírito, entre o espírito e a letra que mata
  • O Cristianismo em relação ao Judaísmo
  • Primazia da oração sobre a comunhão
  • Significação do pão e do vinho na Eucaristia
  • O mistério do ícone
  • “Deus tornado homem”, mistério de Jesus, mas também de Maria
  • “No começo era o Verbo” representa a metafísica intrinsecamente cristã

Esquema da Mensagem Islâmica

  • Mentalidade beduína e traços fundamentais do Islã
  • Expansão fulgurante e estabilidade adamantina
  • O Testemunho de Fé (Shahâdah), pilar do Islã
  • A Prece
  • A Esmola, o Jejum, a Peregrinação e a Guerra Santa

Pilares da Sabedoria

  • Diferença entre exoterismo e esoterismo
  • Conhecimento de si e conhecimento permanente da Realidade
  • Exigência moral do discernimento metafísico
  • A objetividade como qualificação para o conhecimento
  • Importância da perspectiva de interioridade, Fé e União
  • O vício de exterioridade não é o fato natural de viver no exterior
  • A exterioridade é um direito, a interioridade, um dever
  • Fundamento do hermetismo alquímico, da iniciação cavaleiresca e das iniciações artesanais
  • Existência de um esoterismo “médio”
  • Os dois polos da alma humana: o eu empírico e o Intelecto
  • Arte sacra e esoterismo
  • Subjetividade piedosa (humildade sentimental) e objetividade
  • O sentimento bem inspirado
  • Definição da Sophia Perennis
  • Definição de Beleza
  • Definição de Bondade
  • O Rigor
  • Os dois adversários do exoterismo: o diabo e as outras religiões

O Duplo Discernimento

  • O discernimento dos princípios e o dos fatos
  • O ideal é um equilíbrio entre os dois
  • Os santos excessos
  • Falta de disciplina da inteligência “sensorial” e estética nos meios tradicionais contemporâneos
  • Discernimento fenomênico e darshan hindu
  • O espírito simbolista e a interpretação dos fatos
  • A teoria guénoniana da “realização descendente”

Sombras Cósmicas e Serenidade

  • “Deus faz o que ele quer” e a existência do mal
  • O espinhoso problema do mal
  • A oposição entre a matéria e o espírito
  • Predominância do psiquismo sobre a inteligência
  • O que é a serenidade?
  • Serenidade e dignidade

Virtude e Via

  • Veracidade, sinceridade, auto-apagamento, generosidade
  • Equilíbrio entre o auto-apagamento e a dignidade
  • A humildade para a sentimentalidade piedosa
  • O aspecto de beleza de toda virtude

Do Amor

  • Definição de amor
  • Amor, meio sacramental de remeter a Deus
  • Amor e beleza, nobreza
  • Os dois diferentes pontos de partida do amor a Deus
  • Bhakti e jnâna
  • Tutti i miei pensier parlan d’amore